Artigo

A ESSENCIALIDADE DO APARELHO CELULAR FACE A NOTA TÉCNICA Nº 62/CGSC/DPDC

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, no dia 15 de junho de 2010, emitiu parecer técnico acerca do direito do consumidor de exigir, em caso de vício em aparelho celular, o cumprimento imediato das alternativas previstas no artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor perante quaisquer fornecedores, inclusive varejistas e fabricantes.

O Artigo 18 do CDC estabelece no seu § 1º que não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço. Já o § 3º dispõe que o consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

A posição expressa na referida nota técnica, sinaliza para entendimento no sentido de definir como essenciais os aparelhos celulares, eis que se prestam a viabilizar o acesso ao serviço de telefonia móvel, também essencial. Em conseqüência, haveria segundo tal orientação,  dever de troca imediata dos aparelhos com defeito.

Todavia, penso que não deva ser assim, sobretudo se for considerada a necessidade de se observar, na espécie, o princípio da legalidade, segundo o qual, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Assim, por razões óbvias, a Nota Técnica do DPDC não tem o poder de vincular ou obrigar qualquer fornecedor, na medida em que tem natureza meramente opinativa. Tanto é assim que, ao final no item III CONCLUSÃO, é utilizada a expressão “este departamento entende que”.

Trata-se, pois, de manifestação que apenas reflete entendimento do órgão subscritor, sem qualquer poder vinculativo. Aliás, neste sentido, entendeu a Dra. Maria Fernanda de Toledo Rodovalho, Juíza de Direito da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, ao proferir decisão recente no Mandado de Segurança nº 053.10.023092-2, afirmando que a nota técnica do DPDC, sobre a essencialidade do aparelho celular, não tem força de lei.

Vale lembrar em complemento que, o Código de Defesa do Consumidor não definiu o que seja produto essencial. Ademais, não existe jurisprudência firmada a respeito e a maioria dos doutrinadores praticamente nada discorre sobre tal conceito, limitando-se a dizer que a essencialidade varia conforme as circunstâncias do caso.

Para Melquisedec José Roldão, advogado no setor de telecomunicações há 08 anos, o conceito de essencialidade mais razoável é trazido por Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do CDC: “assim entendido aqueles insusceptíveis de dissociação, formados pela mistura e confusão dos respectivos componentes”, ou seja, os impossíveis de separação.

Roldão explica que tal definição é extremamente lógica pois permite observar que “os aparelhos celulares são bens compostos de vários componentes, cuja substituição se mostra perfeitamente viável, ao contrário dos bens essenciais, entendido como sendo aqueles cuja produção implica em mistura ou fusão de componentes inseparáveis. Desta forma, a substituição imediata de aparelhos poderia até ser exigida na primeira hipótese do §3º do Art. 18 do CDC, ou seja, se em conseqüência da gravidade do vício, a substituição das partes com defeito comprometesse a qualidade ou características do produto, ou lhe diminuísse o valor. Mas não pode ser exigida ao fundamento de se tratar de produto essencial, pois que não o é, como visto acima.”¹

Enquanto isso, a Lei nº 7.783/89, utilizada como fundamento legal na emissão da Nota Técnica do DPDC, é norma que define as atividades essenciais e dispõe sobre o exercício do direito de greve. O referido diploma determina no seu artigo 10, inciso VII, que o serviço de telecomunicações é considerado essencial e dispõe no artigo 11 que neste serviço “os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis da comunidade”, e complementa no parágrafo único do dispositivo que “são necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”

Não obstante este contexto, verifica-se que a idéia de essencialidade esta relacionada à disponibilidade do serviço de telefonia, que não guarda relação alguma e não pode ser confundida com disponibilização imediata de outro aparelho celular.

Assim, na pior das hipóteses para os fornecedores, o caso é de mera disponibilização de um outro aparelho, por empréstimo, que permita a utilização da linha através do uso do chip da empresa de telefonia, enquanto estiver sendo providenciado o conserto do aparelho defeituoso.

Como é possível perceber, não se mostra viável a propositura de qualquer medida jurídica em face da Nota Técnica emitida pelo DPDC, por absoluta falta de comando normativo da mesma.

Desta forma, no caso de existência de defeito em aparelho celular, deve predominar  entendimento no sentido de que, o fornecedor tem prazo de 30 dias para proceder aos reparos, conforme autoriza expressamente o § 1º, do artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor.

Notas

¹ ROLDÃO, Melquisedec José. Substituição imediata de aparelhos com defeito. Essencialidade do aparelho celular à luz do ordenamento jurídico, com ênfase para a recente Nota Técnica 62/CGSC/DPDC. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2568, 13 jul. 2010.