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Decis?es do STJ garantem aplica??o ampla ? impenhorabilidade do bem de fam?lia.

Ter casa pr?pria ? uma conquista protegida por lei. H? pouco mais de
duas d?cadas, a defini??o do chamado bem de fam?lia vem sendo
examinada pelo Judici?rio a partir da Lei n. 8.009/1990, que passou a
resguardar o im?vel residencial pr?prio da entidade familiar nos
processos de penhora. A ideia ? proteger a fam?lia, visando defender o
ambiente material em que vivem seus membros.

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justi?a (STJ) tem firmado
jurisprud?ncia que pacifica o entendimento sobre situa??es n?o
previstas expressamente na lei, mas que s?o constantes na vida dos
brasileiros. Im?vel habitado por irm?o do dono ou por pessoa separada,
?nico im?vel alugado, penhorabilidade dos m?veis dentro do im?vel
impenhor?vel… Seja qual for a hip?tese, o Tribunal da Cidadania
aplica a lei tendo em vista os fins sociais a que ela se destina.

Sob esse enfoque, a lei do bem de fam?lia visa a preservar o devedor
do constrangimento do despejo que o relegue ao desabrigo. O
entendimento levou o STJ a garantir o benef?cio da impenhorabilidade
legal a pequenos empreendimentos nitidamente familiares, cujos s?cios
s?o integrantes da fam?lia e, muitas vezes, o local de funcionamento
confunde-se com a pr?pria moradia. Foi o que decidiu, em 2005, a
Primeira Turma do STJ.

Pequena empresa

Um credor tentava a penhora de um im?vel em que funcionava uma pequena empresa, mas no qual tamb?m residia o propriet?rio (o devedor) e sua fam?lia (REsp 621399). ?A lei deve ser aplicada tendo em vista os fins
sociais a que ela se destina?, ponderou em seu voto o ent?o ministro
do STJ Luiz Fux, atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro observou que o uso da sede da empresa como moradia da
fam?lia ficou comprovado, o que exigia do Judici?rio uma posi??o
?humanizada?. Para o ministro, expropriar aquele im?vel significaria o
mesmo que alienar o bem de fam?lia.

?A impenhorabilidade da Lei n. 8.009/90, ainda que tenha como
destinat?rias as pessoas f?sicas, merece ser aplicada a certas pessoas
jur?dicas, ?s firmas individuais, ?s pequenas empresas com conota??o
familiar, por exemplo, por haver identidade de patrim?nios?, concluiu
o ministro.

J? no caso de um im?vel misto, cujo andar inferior era ocupado por
estabelecimento comercial e garagem, enquanto a fam?lia morava no
andar de cima, a Terceira Turma permitiu o desmembramento do sobrado
ao julgar em 2009 o REsp 968.907, do Rio Grande do Sul. Com isso, a
parte inferior foi penhorada para satisfa??o do credor.

?A jurisprud?ncia desta Corte admite o desmembramento do im?vel, desde
que tal provid?ncia n?o acarrete a descaracteriza??o daquele e que n?o
haja preju?zo para a ?rea residencial?, declarou a ministra Nancy
Andrighi, relatora do recurso.

Irm?o e m?e

Diz o artigo primeiro da Lei n. 8.009/90: ?O im?vel residencial
pr?prio do casal, ou da entidade familiar, ? impenhor?vel e n?o
responder? por qualquer tipo de d?vida civil, comercial, fiscal,
previdenci?ria ou de outra natureza, contra?da pelos c?njuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus propriet?rios e nele residam, salvo nas
hip?teses previstas nesta lei.?

Na maioria dos casos, a prote??o legal recai sobre o im?vel onde o
devedor mora com sua fam?lia. Mas h? situa??es em que o STJ j?
entendeu que a prote??o deve subsistir mesmo que o devedor,
propriet?rio do im?vel, n?o resida no local. Em 2009, no julgamento do
REsp 1.095.611, a Primeira Turma considerou impenhor?vel a casa onde
moravam a m?e e o irm?o de uma pessoa que estava sofrendo a??o de
execu??o.

?O fato de o executado n?o morar na resid?ncia que fora objeto da
penhora n?o tem o cond?o de afastar a impenhorabilidade do im?vel?,
disse na ?poca o ministro Francisco Falc?o, lembrando que a
propriedade pode at? mesmo estar alugada a terceiros, desde que a
renda sirva para cobrir o aluguel de outra ou para manter a fam?lia.

Ocorre que o im?vel de propriedade do devedor n?o comportava toda a
fam?lia e por isso ele morava em uma casa ao lado, que n?o lhe
pertencia. Segundo o relator, o irm?o e a m?e n?o podem ser exclu?dos
? primeira vista do conceito de entidade familiar, e o fato de morarem
uns ao lado dos outros demonstrava ?a conviv?ncia e a intera??o
existente entre eles?.

Fam?lia de um s?

O conceito de fam?lia ? um dos pontos que mais exigiram exerc?cio de
interpreta??o do Judici?rio. A pessoa sozinha, por exemplo, pode ser
considerada uma fam?lia para efeito da prote??o da Lei 8.009/90? ?O
conceito de entidade familiar agasalha, segundo a aplica??o da
interpreta??o teleol?gica, a pessoa que ? separada e vive sozinha?,
respondeu em 1999 o ministro Gilson Dipp, ao julgar na Quinta Turma o
REsp 205.170.

“A preserva??o da entidade familiar se mant?m, ainda que o c?njuge
separado judicialmente venha a residir sozinho. No caso de separa??o,
a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, n?o se
extingue, ao rev?s, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos
ex-c?njuges?, acrescentou o ministro Luiz Fux em 2007, no julgamento
do REsp 859.937, na Primeira Turma ? caso de um devedor de ICMS que
estava sendo executado pela Fazenda P?blica de S?o Paulo.

O devedor j? havia sido beneficiado com a prote??o da lei sobre o
im?vel em que morava com a mulher, quando foi determinada a penhora de
um outro im?vel do casal. Posteriormente, eles se separaram, ficando o
primeiro im?vel para a mulher e o segundo (penhorado) para o
ex-marido, que nele passou a residir. Como n?o houve prova de m?-f? na
atitude do casal, a penhora acabou desconstitu?da.

No julgamento de um caso parecido (Resp. 121.797), em 2000, na Quarta
Turma, o ministro S?lvio de Figueiredo Teixeira (hoje aposentado)
deixara claro que ?a circunst?ncia de j? ter sido beneficiado o
devedor, com a exclus?o da penhora sobre bem que acabou por ficar no
patrim?nio do ex-c?njuge, n?o lhe retira o direito de invocar a
prote??o legal quando um novo lar ? constitu?do?.

O STJ definiu tamb?m que o fato de o im?vel ser um bem de fam?lia tem
demonstra??o juris tantum, ou seja, goza de presun??o relativa. Por
isso, cabe ao credor apresentar provas de que o im?vel n?o preenche os
requisitos para ficar sob a prote??o da lei.

M?veis e equipamentos

Uma das quest?es mais controvertidas na interpreta??o da Lei n.
8.009/90 diz respeito aos m?veis e equipamentos dom?sticos. Segundo a
lei, a impenhorabilidade compreende tamb?m ?todos os equipamentos,
inclusive os de uso profissional, ou m?veis que guarnecem a casa,
desde que quitados?, exceto ?os ve?culos de transporte, obras de arte

e adornos suntuosos?.

?Penso que n?o se pode dar ao dispositivo interpreta??o estreita e
gramatical, sob pena de estar o Judici?rio indo al?m do que foi
concebido pelo legislador?, afirmou a ministra Eliana Calmon em 2008,
ao relatar na Segunda Turma o REsp 1.066.463. Inovando na
jurisprud?ncia da Corte, os ministros declararam penhor?veis naquele
caso aparelhos de ar-condicionado, lava-lou?as, som, freezer e um bar
em mogno, bens que a relatora considerou ??teis, mas n?o
indispens?veis ? fam?lia”.

?Entendo que os equipamentos indispens?veis ? normal sobreviv?ncia da
fam?lia s?o impenhor?veis. Mas n?o ? em detrimento do credor que a
fam?lia continuar? a usufruir de conforto e utilidade s? encontrados
em fam?lias brasileiras de boa renda, o que, em termos percentuais, ?
uma minoria no pa?s?, acrescentou a ministra.

No entanto, uma s?rie de outros julgamentos adotou interpreta??o mais
favor?vel ao devedor e sua fam?lia. Em 2004, no REsp 691.729, a
Segunda Turma acompanhou o voto do ministro Franciulli Netto para
negar a penhora de m?quina de lavar lou?a, forno de microondas,
freezer, microcomputador e impressora.

?Os mencionados bens, consoante jurisprud?ncia consolidada desta Corte
Superior de Justi?a, s?o impenhor?veis, uma vez que, apesar de n?o
serem indispens?veis ? moradia, s?o usualmente mantidos em um lar, n?o
sendo considerados objetos de luxo ou adornos suntuosos” ? disse o
relator.

E o videocassete?

Ainda que usuais, uma segunda televis?o ou um segundo computador n?o
est?o garantidos. Num caso de execu??o fiscal julgado na Primeira
Turma em 2004 (REsp 533.388), o relator, ministro Teori Albino
Zavascki, disse que ?os bens que guarnecem a resid?ncia s?o
impenhor?veis, excetuando-se aqueles encontrados em duplicidade, por
n?o se tratar de utens?lios necess?rios ? manuten??o b?sica da unidade
familiar?.

Da mesma forma, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito declarou em
2001, quando atuava na Terceira Turma do STJ, que ?n?o est? sob a
cobertura da Lei n. 8.009/90 um segundo equipamento, seja aparelho de
televis?o, seja videocassete? (REsp 326.991).

Em 1998, no julgamento do REsp 162.998, na Quarta Turma, o ministro
S?lvio de Figueiredo Teixeira entendeu ser ilegal a penhora sobre
aparelho de TV, jogo de sof?, freezer, m?quina de lavar roupa e
lavadora de lou?a ? bens que, ?embora dispens?veis, fazem parte da
vida do homem m?dio?.

Mas o videocassete ficou de fora da prote??o, pois, conforme
precedentes lembrados pelo ministro, destinava-se a ?satisfazer o
gosto refinado de quem quer escolher o tempo, o t?tulo e a hora para
satisfa??o de sua prefer?ncia cinematogr?fica? ? um privil?gio que
deveria ser reservado apenas a quem paga suas contas em dia.

Com o passar dos anos, a jurisprud?ncia evoluiu. A ministra Denise
Arruda, que em 2005 integrava a Primeira Turma, considerou, ao julgar
o REsp 488.820: ?Os eletrodom?sticos que, a despeito de n?o serem
indispens?veis, s?o usualmente mantidos em um im?vel residencial, n?o
podem ser considerados de luxo ou suntuosos para fins de penhora.? A
decis?o foi aplicada num caso que envolvia forno el?trico,
ar-condicionado, freezer, microondas e at? videocassete.

Garagem de fora

Na tarefa di?ria de definir como os dispositivos legais devem ser
interpretados diante de cada situa??o real trazida a julgamento, os
ministros do STJ estabeleceram limites ? prote??o do bem de fam?lia,
sempre buscando a interpreta??o mais coerente com o objetivo social da
lei ? o que tamb?m inclui o direito do credor.

Vaga em garagem de pr?dio, por exemplo, n?o goza de prote??o
autom?tica. Em 2006, na Corte Especial (EREsp 595.099), o ministro
Felix Fischer deixou consignado que “o boxe de estacionamento,
identificado como unidade aut?noma em rela??o ? resid?ncia do devedor,
tendo, inclusive, matr?cula pr?pria no registro de im?veis, n?o se
enquadra na hip?tese prevista no artigo primeiro da Lei n. 8.009/90,
sendo, portanto, penhor?vel?.

O STJ tamb?m admitiu, em v?rios julgamentos desde 1997, a penhora
sobre a unidade residencial no caso de execu??o de cotas de condom?nio
relativas ao pr?prio im?vel, aplicando por analogia o artigo terceiro,
inciso IV, da lei, que excetua da prote??o a ?cobran?a de impostos,
predial ou territorial, taxas e contribui??es devidas em fun??o do
im?vel familiar?.

Se a jurisprud?ncia do STJ considera que uma casa alugada a terceiros
tamb?m deve ser protegida quando a renda ? usada na subsist?ncia
familiar, por outro lado o Tribunal deixou claro que o fato de ser
propriedade ?nica n?o garante a impenhorabilidade ao im?vel.

“Pode ser objeto de penhora o ?nico bem im?vel do devedor n?o
destinado ? sua resid?ncia e nem locado com a finalidade de
complementar a renda familiar?, esclareceu o ministro Aldir Passarinho
Junior, recentemente aposentado, ao relatar o REsp 1.035.248 (Quarta
Turma, 2009).

Proveito da fam?lia

No ano passado, a Terceira Turma acompanhou a posi??o da ministra
Nancy Andrighi no REsp 1.005.546 e permitiu a penhora do apartamento
pertencente a um casal de S?o Paulo, que estava desocupado. N?o
adiantou alegar que o im?vel passava por reformas, pois essa situa??o
sequer ficou comprovada no processo.

?A jurisprud?ncia do STJ a respeito do tema se firmou considerando a
necessidade de utiliza??o do im?vel em proveito da fam?lia, como, por
exemplo, a loca??o para garantir a subsist?ncia da entidade familiar?,
considerou a relatora.

Tamb?m est? na jurisprud?ncia a ideia de que o im?vel dado em garantia
de empr?stimo s? poder? ser penhorado se a opera??o financeira tiver
sido feita em favor da pr?pria fam?lia. No AG 1.067.040, julgado pela
Terceira Turma em 2008, Nancy Andrighi citou v?rios precedentes da
Corte demonstrando que o instituto do bem de fam?lia existe para
proteger a entidade familiar e n?o o direito de propriedade, raz?o
pela qual nem os donos do im?vel podem renunciar a essa prote??o ? a
quest?o ? de ordem p?blica.

Num desses precedentes, de 2001 (REsp 302.186, Quarta Turma), o
ministro Aldir Passarinho Junior registrou: ?Ainda que dado em
garantia de empr?stimo concedido a pessoa jur?dica, ? impenhor?vel o
im?vel de s?cio se ele constitui bem de fam?lia, porquanto a regra
protetiva, de ordem p?blica, aliada ? personalidade jur?dica pr?pria
da empresa, n?o admite presumir que o m?tuo tenha sido concedido em
benef?cio da pessoa f?sica.?

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Fonte: STJ (11.07.11)